terça-feira, 3 de abril de 2012



segunda-feira, 2 de abril de 2012

Direitos humanos e justiça transicional - parte I

Em "comemoração" aos 48 anos da "revolução" de 1964, começo hoje a publicar no blog artigo temático já publicado em outra fonte.

O texto será integralmente divulgado neste espaço virtual, mas não todo de uma só vez em razão de seu tamanho. Quem quiser se antecipar, a fonte é esta: GALINDO, Bruno: "Direitos humanos e justiça constitucional transicional: ainda sob(re) as sombras do passado autoritário", in: O judiciário e o discurso dos direitos humanos (org.: SILVA, Artur Stamford da). Recife: Universitária/UFPE, 2011, pp. 221-264.

"Todavia, os mortos do lado oriental tinham sido fuzilados, linchados, executados. Além disso, penas de prisão foram impostas. A penitenciária de Bautzen ficou superlotada. Isso tudo veio à tona só muito mais tarde. Anna e eu vimos apenas impotentes atiradores de pedras. Mantivemos distância a partir do setor do lado ocidental. Amávamos muito um ao outro e à arte e não éramos operários que atiravam pedras na direção de tanques. No entanto, desde então sabemos que essa batalha continua acontecendo. Às vezes, e então com décadas de atraso, até mesmo os atiradores de pedras serão os vitoriosos." (Grass: 2000, p. 162)

Sumário: Introdução: o que fazer? Uma questão tormentosa. 1. Justiça transicional: definição contextual. 2. Nuremberg paradigmático: os crimes de lesa humanidade. 3. Justiça constitucional transicional: variações democráticas e transições comparadas. 3.1. África do Sul: apartheid e a exposição visceral do regime. 3.2. Alemanha: o “Adeus, Lênin” aos fragmentos político-jurídicos do Muro de Berlin. 3.3. Argentina: os clamores da Plaza de Mayo. 3.4. Chile: os “espíritos fora da casa” - condenação internacional e mobilização judicial interna. 3.5. Brasil: os tapetes continuam “úteis” – festejos e lamentos em torno da ADPF 153. 3.6. Ainda não acabou: incessantes clamores no Brasil e la revancha del tango das vítimas da ditadura militar (Corte Interamericana e o Caso Gomes Lund/“Guerrilha do Araguaia”). Referências.


"Introdução: o que fazer? – uma questão tormentosa

É bem sabido que nenhuma das experiências constitucionais democráticas após períodos de autoritarismo político consegue lidar com naturalidade com as questões advindas dos anos de exceção. Isso é ainda mais notável na questão dos direitos humanos.

É lugar-comum a percepção de que os regimes autoritários, independentemente de sua tendência ideológica, tendem a contingenciar os procedimentos democráticos e desconsiderar o respeito aos direitos humanos daqueles que possam potencial ou efetivamente lhe fazer oposição política. “Direitos humanos para humanos direitos” seria um chavão bem apropriado para esses regimes, sendo os “humanos direitos” os simpatizantes e colaboradores dos poderosos da ocasião, ou ao menos os que não os contestam.

Quando do advento da democracia como regime político pós-autoritário, surge a relevante questão: o que fazer em relação às atrocidades e crimes contra os direitos humanos cometidos durante o período de exceção em nome do regime autoritário? A escusa do cumprimento do dever legal é absoluta? A obediência às ordens superiores é suficiente para evitar que os “obedientes” sejam punidos? E os mandatários que proferiram tais ordens, qual o grau de sua responsabilidade? É possível admitir que o direito penal comum e seus institutos como a prescrição e a estrita tipificação legal dos crimes possa dar conta de delitos com tal grau de excepcionalidade?

A resposta a tais questões está longe de ser uníssona. A depender da repercussão internacional, do momento histórico, da realidade objetiva e da própria cultura política de cada país, o enfrentamento das sombras do passado autoritário é bastante dissonante, variando do enfrentamento amplo e irrestrito de todas elas (da verdade histórica à reparação das vítimas e respectivas famílias, bem como da investigação dos crimes e punição dos culpados) às anistias autodeclaradas social e politicamente reconciliadoras, que, a seu turno, estabelecem uma espécie de “esquecimento” igualmente abrangente dos atos perpetrados durante aquele passado.

Este pequeno ensaio possui a pretensão de abordar como os problemas de tal natureza têm sido enfrentados aqui no Brasil, traçando um esboço comparativo com experiências de transição entre autoritarismo político e democracia constitucional em outros países, tais como África do Sul, Alemanha, Argentina e Chile, bem como o entendimento de instâncias judiciais internacionais a respeito, a exemplo da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Continua...
Ganhou repercussão midiática o caso do flagrante de embriaguez ao volante feito por agentes do DETRAN/PE no Secretário de Transportes do Governo do Estado, Isaltino Nascimento. O que tem sido afirmado é que o referido membro do poder público estadual, diante do flagrante, se recusou a fazer o exame de alcoolemia, mais conhecido como "teste do bafômetro". Há, porém, da parte de testemunhas e dos agentes de trânsito o relato de que o Secretário estava com sinais muito claros de embriaguez, como forte hálito de álcool e olhos avermelhados.

Não cabe a mim entrar no mérito, político e/ou jurídico, do caso específico, pois não possuo elementos suficientes para falar dele, apenas o que diz a blogosfera e a mídia. Mas aproveito a ocasião para suscitar um debate que considero necessário.

Tenho destoado da quase unanimidade maniqueísta (para não ofender ninguém com a expressão rodrigueana da “unanimindade burra”) em torno da “Lei Seca” e venho sendo um dos poucos a criticarem-na com veemência, apesar de concordar com a sua ideia fundamental de punir quem dirige embriagado. Faço esta ressalva para que os maniqueístas de plantão não venham dizer que defendo o direito à embriaguez ao volante ou outras bobagens do gênero e menos ainda que estou defendo Isaltino Nascimento.
 
 
A ideia de se combater a combinação potencialmente fatal entre álcool e direção é, em tese, muito bem-vinda. Contudo, a denominada “Lei Seca” é repleta de problemas, além de injusta e desproporcional ao extremo. Os principais problemas, em minha opinião, são a sua flagrante desproporcionalidade entre condutas potencialmente danosas e a exigência de uma dosagem específica de álcool aferível pelo exame de alcoolemia para que haja a punição criminal.
 
 
A desporporcionalidade está em se criminalizar na mesma intensidade condutas cujos danos potenciais são inteiramente diversos. Punir com a mesma pena, criminal e/ou administrativa, um sujeito que tomou um chopp e outro que estava como descrito em relação ao Secretário, é, a meu ver, uma enorme aberração. O dano potencial que alguém realmente embriagado pode ocasionar em termos acidentários concretos é dezenas de vezes superior àquele que está apenas com reflexos ligeiramente alterados por ingestão de uma pequena quantidade de bebida alcoólica. A penalização precisaria guardar proporcionalidade em relação ao estado de embriaguez, tanto a administrativa (multa e/ou apreensão da CNH) como a criminal (reservada apenas para casos mais graves, diferentemente do que ocorre com essa esdrúxula banalização do direito penal no Brasil que criminaliza quase tudo para, na prática, punir muito pouco, todavia, isso é já é outro debate de implicações bem mais significativas).

A “Lei Seca”, não obstante ser produto de boas intenções, padece desses grandes males. Com a exigência de nível etílico numericamente especificado pune o cidadão praticamente sóbrio com a mesma severidade que o faz ao quase completamente bêbado. Ou ainda pior: se o primeiro que tomou um chopp ou uma taça de vinho, colaborar com as autoridades soprando o bafômetro não somente será multado e apreendida a sua CNH, como responderá a processo criminal e uma vez condenado levará para o resto da vida a pecha de “criminoso”, embora possa ser condenado a penas alternativas ou algo do gênero. O segundo, exatamente o caso (ao menos supostamente) do Secretário, em estado avançado de embriaguez, ficará com a CNH apreendida e pagará a mesma multa, mas não responderá a qualquer processo de natureza penal e será criminalmente um “ficha limpa”, ao contrário do primeiro, um autêntico “ficha suja”. É ou não algo profundamente injusto e desproporcional (e, em minha modestíssima opinião, inconstitucional)?

Infelizmente, o Brasil é fértil em leis draconianas e extremamente severas que caem no ridículo do desuso e do descrédito social com facilidade. É relevante lembrar que há poucos anos o adultério era legalmente considerado um crime passível de prisão e o crime de atentado ao pudor mediante fraude só podia ser cometido contra aquelas que se enquadrassem no anacrônico e risível conceito de “mulher honesta”...

Não sei se será o caso da “Lei Seca”, pois a fiscalização tem sido intensa e a “indústria de multas” nunca arrecadou tanto (penso que esse talvez seja o verdadeiro motivo dessa “preocupação” do Estado e das autoridades com o problema). Mas que a mesma é desproporcional na relação pena-conduta, disso não tenho a menor dúvida.

Seria muito mais justo, proporcional e simples se fosse feitas as seguintes modificações na Lei em questão:

1 – acabar com a obrigatoriedade da exigência de grau alcoólico específico para aferir a embriaguez ao volante.

2 – consequentemente, permitir que, através de provas testemunhais ou filmagens/fotografias, sejam constatados os sinais claros da embriaguez e com fundamento nessas provas, o sujeito flagrado – independentemente de soprar ou não no bafômetro – seja criminalmente indiciado e responda a processo penal, além das punições administrativas pertinentes.

3 – estabelecer as penalidades (administrativas e/ou criminais) proporcionalmente ao estado de embriaguez, aí sim aferível por bafômetro. Ou seja, o exame de alcoolemia poderia ser utilizado até como mecanismo de defesa da acusação de embriaguez, o que talvez até incentivasse os cidadãos parados em blitzes a fazerem o referido exame, pois quanto mais embriagado estivesse, mais rigorosa seria a pena e, inversamente, quanto menos próximo estivesse da embriaguez, mais branda seria a punição (o que há atualmente é um medo generalizado do bafômetro, pois vai que o sujeito comeu bombons licorosos ou um prato de filé ao molho de vinho e isso venha a ser acusado no etilômetro...).

Se tais modificações ocorressem, aquele primeiro sujeito seria punido de forma branda ou talvez nem mesmo sofresse punição e aquele segundo, como no caso comentado, não escaparia do indiciamento e do processo pela simples recusa à alcoolemia.

A "Lei Seca", em seus termos atuais, é inconstitucional e violadora da proporcionalidade presente no sistema constitucional, bem como na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro. É minha opinião, embora a maioria pareça surda a esse tipo de argumento que sequer tem sido considerado.

Fica ao menos o registro blogosférico.

Ps.: ao menos uma coisa boa - como foram agentes do próprio Estado os autores do flagrante, vê-se que o "você sabe com quem está falando?" está mais enfraquecido, o que é importante na edificação de uma cultura política mais republicana no Brasil.


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